18/03/2010

Amor Perfeito

Postado em 18.3.10  | No marcador  



Tinha 72. Cabelos brancos do tempo passado e da saudade que não se cauterizava. As expressões eram simples, de quem já havia caminhado por entre as coisas da vida e descoberto a valia fundamental. Ela sorria quando olhava o neto fazendo as bobagens da adolescência moderna, mas ponderava com a voz compassada e nunca se esquecia de lhe olhar lá dentro. Pedro se sentia desconfortável com a atitude da avó, pensava que era velhice; pelo fato de não ter mais forças de aplicar-lhe um corretivo enérgico, só podia persuadir assim, olhando. Com isso, ele era constantemente despido de suas intenções. Ele tinha só 16, a mesma idade da avó quando se casou.

Zilda fora levada a aceitar os galanteios de um mercador. A família achava conveniente, o rapaz era trabalhador, comentava-se que estava enriquecendo com os negócios, por isso o pai concordou em dar a filha um futuro promissor. Ainda brincava de boneca de pano e de casinha e já queriam desmoronar suas fantasias dando-lhe um bebê e uma casa de verdade pra cuidar. Hoje em dia, as meninas ainda brincam de boneca? De qualquer forma, Zilda viu tudo como uma brincadeira, queria entrar na igreja segurando a boneca em vez das flores do campo, queria um vestido colorido em vez do branco... Por sorte do destino ou sei lá do quê, casara-se com um homem de verdade. Bonifácio tinha seus 28. É bem verdade que Zilda teve que deixar a inocência antes da hora pretendida, mas o carinho das grossas mãos de Bom, como ela o chamava, lhe transplantou o coração e a paixão. Aos 17 já era mãe e sabia direitinho como cuidar da sua menina, parece que brincar de boneca lhe trouxera certas vantagens ou seria o dito instinto materno? O fato é que eles viveram juntos até as bodas de ouro. Depois disso, Bom adoeceu e morreu repentinamente. Bom, bom, bom... As coisas palpáveis não são eternas, mas as coisas intangíveis são. Zilda amava o velho Bom, na sua rabugência, na sua intolerância, na sua impaciência. Ele gostava de ter suas quinquilharias sempre a mão, não desprendia da máquina de escrever, nem da vitrola, nem dos velhos vinis de Roberto Carlos e Paulo Sérgio e não permitia que a nova geração os tocassem ou falassem mal. Raiava e logo em deixava-os tocar.

Zilda guardava tudo e de tardizinha, antes do sol se por, punha as memórias de Bom e soluçava ao lembrar-se do amado. Pedro olhava para avó esgueirada na janela. As lágrimas percorriam as maçãs, caíam sobre o peito e ali se desmanchavam buscando o coração. Ele ficava imaginando como seria o amor de sua vida, se teria a oportunidade de viver tantos sentimentos assim, com intensidade. Mal tinha começado a descobrir as sensações, sabores, sons e arrepios do gozo e já se machucara. Apaixonou-se por uma colega de classe e decidido a declarar seu amor depois de uma longa madrugada sem sono, viu-se partir em mil pedaços todas as vezes que o 'NÃO' martelava sua cabeça.

Em mais um dia desses, lá pela tardizinha, Pedro ouviu a canção. Levantou-se do sofá e foi encontrar a avó, decidido a obter uma resposta. Antes que a coragem lhe faltasse ele sussurrou desajeitado:
- Vó, a senhora acha que existe amor perfeito? Zilda virou-se e olhou Pedro despindo seus pensamentos mais uma vez. Ele desconcertado, pensou em fugir, mas foi acalentado pelos olhos brilhantes de Zilda que repetiu a pergunta com um límpido sorriso:
- Amor perfeito? Em segundos intermináveis, o som da vitrola prevalecia cantando os últimos versos: E então você verá o valor que tem o amor e muito vai chorar ao lembrar do que passou.
- Não! Respondeu Zilda. Pedro parecia decepcionado com a resposta, esperava esperançoso que fosse diferente, que ainda teria outra chance e mais outra e, quem sabe, mais outra. Zilda acrescentou: - Amor perfeito não existe filho, mas certamente existe o amor. A perfeição talvez passe em outra avenida, mas o amor sempre passa pela rua e um dia ele passará pela sua, aguarde!


dri chaves



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Um comentário:

  1. ei
    eu conheço esse texto...
    fui pega de surpresa!!!
    valeu mesmo assim
    um bj

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